quinta-feira, 7 de junho de 2012

Mensagem de Natal da C. Caç. 3386

Teve lugar no passado sábado, dia 26 de maio, um grande convivio da C. Caç. 3386.
Uma das grandes surpresas deste evento foi a divulgação duma autêntica reliquia, que é o video com as mensagens de Natal, gravado em plena mata do Canacassala, perto de Nambuangongo no norte de Angola, no já distante ano de 1971.
Infelizmente alguns destes bravos herois já não estão entre nós.
Contudo Portugal deve orgulhar-se destes seus filhos que tudo deram em defesa da patria.
Para ver o vidio clika AQUI

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Por motivos profissionais e outros, estarei ausente do blog por algum tempo. espero ser breve.

sábado, 7 de maio de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XIX

No próprio local em que o animal cai, não lhes extraem a pele nem as vísceras, limitando-se a cobri-lo com lenha, a que deitam fogo, o animal começa a inchar devido ao calor intenso, e o seu rebentamento é o sinal para começarem a comer, participando neste acto toda a família, que acampam no local.

Quando a carne termina, o que pode demorar alguns dias, partem na perseguição de outro animal, levando assim uma vida nómada.
Quando a caça rareia, alimentam-se de tubérculos, frutos selvagens, gafanhotos, lesmas e lagartas.
Os Bosquimanes são muito gulosos por Macau, uma beberragem alcoólica tipo cerveja, fabricada pelos outros povos sedentários, como os Cuanhamas e os Mamuilas, que a obtêm pela fermentação de uma espécie de milho chamado massango e massangala.
Anos mais tarde este povo viria a tornar-se celebre e popular em todo o mundo devido á sua participação no conhecido filme “ Os deuses devem estar loucos”.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVIII

(Continuação)
- Então não chegaremos ainda durante o dia de hoje á base?
- Provavelmente não. Da ultima vez que percorri este caminho levantamos duas minas anti carro e sofremos uma emboscada que causou dois mortos e cinco feridos na coluna militar em que seguíamos – E endurecendo o tom de voz continuou.
A guerra em Angola não é um mar de rosas, como julgam as pessoas na Metrópole ou em Luanda. É melhor ir-se habituando, a região de Nambuangongo é a pior de todo o norte de Angola.
Enquanto esperávamos, o Inspetor demonstrando grande admiração pelo valor guerreiro dos seus Flechas foi-me contando.
- Exceptuando o comandante Palacassa, todos os restantes elementos deste grupo pertencem à etnia Mukankala, também conhecidos por Bosquimanos. Caracterizam-se pela cor de pela amarelada, olhos em forma de amêndoa, maçãs do rosto proeminentes e cabelos em pequenos tufos.
- Há sim!? São todos de muito baixa estatura e bastante magros! – Retorqui.
- Pois são! No entanto a sua resistência física no terreno é incomparável, suportando 2 ou 3 dias sem comer nem beber.
Perante a minha admiração e interesse em conhecer o modo de vida destes homens e da sua etnia, ainda me contou que no sul de Angola e no deserto do Calaári de onde são originários, para perseguirem as suas presas utilizam arcos e flechas artesanais de grande eficácia. Na ponta das setas colocam sempre uma mistura venenosa, obtida a partir da seiva de certas plantas, juntamente com o veneno extraído da cabeça de serpentes venenosas. Depois de atingirem a peça de caça escolhida, perseguem-na pacientemente durante alguns dias até o veneno fazer efeito e o animal cair inanimado.
(Continua)

terça-feira, 19 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVII

(Continuação)
Por volta do meio dia, com o astro rei a fustigar-nos intensamente, chegamos a uma picada com indícios de muito pouco uso, em que mal se apercebiam os trilhos deixados pelos rodados das viaturas.
Os Flechas de imediato se dispuseram estratégicamente ao longo do caminho. Com a colaboração do meu guarda-costas montei as antenas no rádio Racal tr28 e após entrar em contacto com a sede e transmitir as coordenadas do local de recolha, sou informado de que a coluna militar que tinha por missão recolher-nos já tinha partido e se dirigia ao nosso encontro.
O Inspetor da DGS que se encontrava junto de mim, dirigiu-se-me dizendo.
- Então dentro de pouco tempo seremos recolhidos. A viajem de regresso é que será mais morosa.
-Porquê? Perguntei, prevendo o pior.
Os turras são espertos e ao aperceberem-se da vinda da coluna, por certo aproveitarão a viajem de regresso para nos fazerem a vida negra, colocando minas escondidas na picada, ou montarem emboscadas.
- Não me diga que esta odisseia ainda está longe de terminar? Perguntei receoso e preocupado.
- Há! Pois! Não sou eu o comandante da coluna, no entanto assim que ela chegar vou falar com o chefe, para em conjunto delinearmos a melhor estratégia. E perante o meu espanto acrescentou – Temos que picar o caminho afim de detetarmos minas escondidas. Nos locais mais perigosos, faremos tiros de reconhecimento, enquanto progredimos a pé.
(Continua)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVI


(Continuação)
Continuava cingido nestes pensamentos, quando o Inspetor se acercou de mim e sentando-se a meu lado, perguntou-me em voz baixa, apontando para o céu extraordinariamente estrelado.
- Sabe que constelação é aquela, com uma estrela mais brilhante quase a roçar a linha de horizonte?
Olhei na direção que o Inspetor apontava, distingui o grupo de estrelas de que me falava, mas não o identifiquei.
Ele apercebendo-se da minha ignorância, acrescentou.
- É o Cruzeiro do Sul. E è a sua estrela mais brilhante que nos indica o Sul. É-nos muito útil para nos orientarmos no caso de não possuirmos bússola.
Indiferente à nossa conversa que mantínhamos em surdina, o comandante Palacassa ressonava. Como era possível? Magicava eu para os meus botões, que com esta já era a terceira noite que não pregava olho.
Apesar de extremamente cansado não sentia sono, devido ao medo extremo que se tinha apoderado de mim.
No entanto a longa noite passou sem problemas e ao romper da madrugada, quando a linha de horizonte se começou a tingir de uma tonalidade de cor azul petróleo, presságio do dia bastante quente que se avizinhava, os Flechas acordaram da letargia que parecia os ter envolvido durante a escuridão nocturna e começaram a comer as suas rações de combate. Eu bebi a ultima lata de leite chocolatado, enquanto o Comandante Palacassa ordenava em surdina e por gestos que déssemos início à marcha.
(Continua)

sábado, 2 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XV

(Continuação)
Com o sol a querer esconder-se no horizonte, demos inicio à subida de um alto morro apenas coberto de capim rasteiro.
Enquanto subia admirava um espectacular pôr do sol, com o astro rei a espraiar-se sobre a copa do frondoso verde desta imensa floresta, perdida nos confins da Africa profunda.
O comandante Palacassa não descurava a segurança e a subida deste morro era apenas mais uma manobra de diversão. Assim que o sol se escondeu totalmente por detrás da linha do horizonte, o que aqui nos trópicos acontece muito rapidamente, demos início á descida agarrados ao cinturão do camarada da frente e, de novo subimos a um morro vizinho, onde os Flechas se depuseram em circulo, ficando como vinha sendo hábito na segurança relativa do seu interior, apenas eu, o comandante Palacassa e o Inspetor da PIDE/DGS.
Esta era a terceira noite que eu dormia ao ar livre em pleno sertão Africano.
Ao contrário da noite anterior que se apresentara muito escura e fria, esta exibia um céu totalmente limpo e pejado de milhares e milhares de brilhantes estrelas, que cintilavam intensamente num firmamento totalmente livre de poluição.
Enrolei-me na capa camuflada e deitei-me no chão duro, com o rádio por cabeceira e o céu estrelado por tecto.
Envolvido pelo silêncio profundo da noite tropical, perguntava a mim próprio. O que fazia eu um jovem de vinte anos de idade, em Angola, com uma espingarda na mão?
Certamente me encontrava a defender os interesses colonialistas do governo do Marcelo e seus quejandos.
(Continua)

sexta-feira, 25 de março de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XIV

(Continuação)
Pelo meio da tarde, com o ardente sol Africano a massacrar-nos impediosamente, saímos deste cerrado labirinto verde e embrenhamo-nos num alto capinzal que nos roçava o peito. Os meus dois cantis há muito tempo que se encontravam completamente vazios, quando providencialmente encontramos umas poças de agua bastante suja e com excrementos de elefante. Os Flechas desecavam-se sofregamente com esta beberragem, enquanto eu pacientemente e como me tinha sido ensinado, enchi um dos cantis, onde inseri duas pastilhas de halazon, de seguida utilizando o meu lenço do pescoço como filtro, transferi a água para o outro cantil.

Estes comprimidos de halazon, eram-nos distribuidos juntamente com as rações de combate e consistiam num desinfestante á base de lixívia, sendo largamente utilizado pelas nossas tropas para tratamento da água.
Contudo penso que não seriam muito eficazes, já que mesmo seguindo á risca a utilização deste desinfestante, viria perto do final da comissão a contrair uma doença tropical chamada bilharziose, doença esta, provocada pela ingestão de águas contaminadas.
(Continua)

quinta-feira, 17 de março de 2011

MEMÓRIAS DE OUTRORA XIII

(Continuação)
Passados alguns minutos o bom senso acabou por prevalecer e o Inspetor virou-se para mim dizendo.

-Comunique que vamos iniciar a retirada sem termos cumprido o objetivo da missão.
Assim fiz, e de imediato retomamos a caminhada de regresso na direçao de uma picada onde posteriormente seríamos recolhidos por uma coluna militar. As coordenadas do local de recolha seriam por mim transmitidas via rádio quando chegássemos ao local combinado.
À saída da Sanzala, Palacassa esperava-me e dirigiu-se a mim com modos rudes dizendo.
-Está a ver? Você e o senhor Inspetor só embaraçam! – E perante o meu silêncio adiantou.
- Se eu tivesse vindo apenas com os meus homens, como aliás eu pretendia, iria dar caça a esses bandidos.
- Não acha que já chega de canseira? Perguntei-lhe em jeito de reprovação.
Mostrando-se muito zangado, retorquiu.
- Não! Não acho! Pior vai ser a partir de agora, o regresso. Estamos completamente referenciados pelo inimigo. Não podemos usar nenhum dos trilhos utilizados pela população. Teremos que nos deslocar sempre a abrir caminho através da floresta.
E assim receando armadilhas ou emboscadas montadas nos trilhos, avançávamos muito lentamente e com bastante esforço através da cerrada floresta virgem, os ramos e troncos entrecruzavam-se e conjuntamente com as trepadeiras formavam um emaranhado cerrado e de muito difícil penetração, apenas transponível à força de catana, uma grande faca de mato que os Flechas eram exímios a manobrar.
(Continua)

quarta-feira, 9 de março de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XII


( Continuação)
Ao chegar junto do Inspetor da DGS, este comunica-me que todo o nosso esforço e empenho foram em vão. O Soba explicara que o pequeno grupo da FNLA realmente tinha ali chegado mas bastante cedo, talvez por volta do meio dia, decidiram alterar os planos, comeram, abasteceram-se de carne seca e seguiram de imediato, caminhariam durante o resto do dia e provavelmente parte da noite.
Mesmo assim o comandante Palacassa estava decidido a mover-lhes perseguição. O Inspetor tentava argumentar que o plano de operações não contemplava essa hipótese. Eu que assistia à discussão, pedia a Deus que tivesse compaixão de mim e que o Inspetor levasse por diante a sua posição.
Também não tínhamos rações de combate para prolongarmos a operação, as que possuíamos apenas davam para a viagem de regresso. Isso para os Flechas não consistia obstáculo, já que conseguiam sobreviver apenas com os alimentos obtidos da natureza. O único estorvo á concretização dos desejos do comandante Palacassa era a minha presença assim como do Inspetor e, este muito provavelmente não permitiria que os Flechas prosseguissem sós na perseguição dos elementos inimigos.
Entretanto a manhã avançava e estava na hora de eu fazer o contacto diário com a base pelo que montei as antenas no rádio racal TR 28 e, pressentindo a indecisão virei-me para o Inspetor e perguntei-lhe.
- Diga-me o que hei-de transmitir.
Não me respondeu entretido que estava argumentando e conversando com Palacassa.
(Continua)

terça-feira, 1 de março de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XI

(Continuação)
Ao chegar junto do Inspetor da DGS, este comunica-me que todo o nosso esforço e empenho foram em vão. O Soba explicara que o pequeno grupo da FNLA realmente tinha ali chegado mas bastante cedo, talvez por volta do meio dia, decidiram alterar os planos, comeram, abasteceram-se de carne seca e seguiram de imediato, caminhariam durante o resto do dia e provavelmente parte da noite.Mesmo assim o comandante Palacassa estava decidido a mover-lhes perseguição. O Inspetor tentava argumentar que o plano de operações não contemplava essa hipótese. Eu que assistia à discussão, pedia a Deus que tivesse compaixão de mim e que o Inspetor levasse por diante a sua posição.
Também não tínhamos rações de combate para prolongarmos a operação, as que possuíamos apenas davam para a viagem de regresso. Isso para os Flechas não consistia obstáculo, já que conseguiam sobreviver apenas com os alimentos obtidos da natureza. O único estorvo á concretização dos desejos do comandante Palacassa era a minha presença assim como do Inspetor e, este muito provavelmente não permitiria que os Flechas prosseguissem sós na perseguição dos elementos inimigos.
Entretanto a manhã avançava e estava na hora de eu fazer o contacto diário com a base, pelo que montei as antenas no rádio racal TR 28 e, pressentindo a indecisão virei-me para o Inspetor e perguntei-lhe.
- Diga-me o que hei-de transmitir.
Não me respondeu entretido que estava argumentando e conversando com Palacassa.
(Continua)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA X

(Continuação)
Quando estes visitantes chegaram ao terreiro da Sanzala devem ter colocado mais lenha na fogueira, já que esta até aqui quase apagada aumenta bastante de brilho.
Sentia os ossos enregelados, pedia à Virgem de Fátima que tudo isto tivesse um fim rápido, que se fizesse rapidamente de dia, mas infelizmente e para aumentar a minha angústia a negra e temida noite estava a ser longa de mais.
Passada uma eternidade eis que o dia parece querer nascer, uma claridade muito ténue começa a cobrir muito lentamente o terreiro da Sanzala, que se encontrava desprovido de qualquer arvoredo.
Repentinamente ouvem-se dois tiros e numa grande berraria surgem de todos os lados da Sanzala, Flechas que também disparam alguns títulos para o ar.
A surpresa fora total, agora já clareava bastante e do local onde me encontrava via homens e mulheres, algumas com crianças ao colo.
Os Flechas passavam a pente fino todas as cubatas e continuavam a reunir junto do local da fogueira todos os seus moradores.
Com a situação sob controlo o meu guarda costas faz-me sinal para que prossigamos e, nos reunamos ao resto do grupo que se encontrava no terreiro da Sanzala.
Sentia os pés tremerem dentro das botas todo o terreno. Parecia-me que o medo e o terror não permitiam que desse sequer um simples passo, estava grudado ao chão, no entanto ganhei forças, levantei-me e com enorme dificuldade coloquei o rádio ás costas e pus-me a caminho.
(Continua)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRÓRA IX

( Continuação)
O golpe de mão seria lançado assim que começasse a romper o dia. Como ainda tínhamos práticamente a noite toda pela frente, os Flechas separaram-se e ocuparam posições que melhor lhes permitissem uma aproximação rápida e eficaz ao objetivo. Para o caso de perderm o contato o Flechas vinham munidos de 3 ou 4 bocados de paus muito finos para não fazerem muito barulho e que partiam, confundindo-se com os ruídos da floresta e, que lhes permitiam localizar o camarada da frente.
Eu felizmente não faria parte do grupo de assalto, ficaria numa posição mais protegida, acompanhado pelo meu fiel guarda-costas. Era um local privilegiado de onde seguiria toda a ação como se estivesse a assistir a um filme de guerra no cinema da minha terra.
A noite estava fria, muito escura e ameaçava chover, a lua continuava a dormir escondida por detrás das grossas nuvens e só uma vez por outra se deixava ver mas por poucos segundos.
O medo e o frio estavam a tomar conta de mim. Do local onde me encontrava conseguia ouvir vozes vindas da direção da sanzala, o meu guarda-costas devia dormir. Repentinamente o barulho da vegetação denuncia passos que se aproximam cautelosos na minha direçao. O medo que sinto transforma-se em pânico, no entanto continuo deitado à beira do trilho e instintivamente aponto a G3, então sinto a mão do meu guarda-costas que me aperta o braço, pelo que permaneci quieto e aterrorizado. Eram quatro homens que passaram sem dar por nós quase a roçar-nos, retive a respiração e mais uma vez gelei de pavor.
(Continua)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRÓRA VIII

(Continuação)
Ainda o tiroteio não tinha terminado e já nós descíamos pela vertente oposta do morro e, nos internava-mos no interior da densa floresta virgem. Aqui a deslocação estava a ser muito difícil principalmente para o homem da frente, a abrir caminho com a catana e que era periodicamente substituído.Pelo meio da tarde depois de uma cansativa deslocação através da cerrada floresta virgem e pelo método de passa palavra, tomei conhecimento que iríamos descansar naquele local até perto do pôr do sol, altura em que faríamos durante a noite a aproximação à Sanzala que ficava já muito próxima.
Esta operação estava a tornar-se muito perigosa e todos os cuidados eram poucos, não fosse o Soba, que provavelmente jogava com um pau de dois bicos, prevendo a nossa ida, ter-nos denunciado ao inimigo e num ápice passarmos de caçadores a caçados.
Assim que começou a escurecer retomámos a cansativa marcha, mas passado pouco tempo a escuridão total tomou conta de nós e da floresta virgem, de novo tivemos que nos socorrer do cinturão do camarada da frente para podermos progredir. 
Com um esforço sobre humano, finalmente chegamos a uma pequena elevação depois da qual e atravessando um terreno cultivado de talvez uns 150 metros, a que os nativos chamavam lavra, surgia uma clareira onde estava implantada a pequena Sanzala, habitada segundo as informações por cerca de 30 pessoas. A cubata do Soba, a maior de todas elas, encontrava-se no centro do terreiro, perfeitamente reconhecida por uma fogueira que se encontrava acesa.
(Continua)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Memórias de outrora VII


(Continuação)
Com o clarear da manhã, os Flechas até aqui deitados e imóveis, começaram a sentar-se no chão e a comerem em silêncio as rações de combate. Eu desloquei-me a rastejar até junto do meu guarda-costas que também se encontrava a fazer parte do círculo de segurança e, pedi-lhe o meu saco de onde retirei uma lata de leite com chocolate. Voltei de novo ao interior do círculo, onde tinha o rádio e a arma G3, quando terminei de beber o conteúdo da lata, com a faca de mato escavei um pequeno buraco onde a enterrei, como via fazer a estes meus novos camaradas. Os Flechas alem de caminharem furtivamente pela mata, também procuravam não deixar vestígios da sua presença, apenas falavam o indispensável e simplesmente segredando, geralmente comunicavam por gestos, não fumavam, nem transportavam objectos ruidosos ou luzidios como anéis ou relógios.
Já o sol começava a despontar no horizonte, quando repentinamente, se ouvem fortíssimos rebentamentos de granadas de morteiro 82 e de RPG 2 a cair com violência no cimo daquele primeiro morro, onde nós tínhamos dado a entender que iríamos pernoitar.
O comandante Palacassa deslocou-se até junto de mim e orgulhosamente afirmou.
- Está a ver! Devido às manobras do avião, os turras detectaram-nos. Seguiram-nos, mas caíram no engodo.
Eu continuava estupefacto e aterrorizado assistindo àquele medonho espetáculo enquanto ele adiantava.
- Daqui em diante não podemos facilitar. Caminharemos sempre pelo interior da mata
Palacasa ex-chefe da FNLA, comandara durante algum tempo a importante base deste movimento em Kinkuso na Republica do Zaire.
Devido a incompatibilidades com Holden Roberto, alguns dos seus familiares diretos foram perseguidos e mortos, contudo ele conseguira fugir e apresentara-se às autoridades Portuguesas que o integraram como comandante de vários grupos de Flechas, a partir daí o comité revolucionário da FNLA acusara-o de alta traição e colocara a sua cabeça a prémio.
De etnia Kikongo aprendera a ler e escrever numa missão protestante no norte de Angola, ao alistar-se na FNLA, fora enviado para a China, país onde frequentara vários cursos de guerra subversiva. Era um homem bastante cruel, que se fazia impor pela força, agredindo por diversas vezes os seus soldados Flechas, como eu tivera oportunidade de observar quando fomos sobrevoados pelo avião. O inspetor também me confidenciou que ainda há pouco tempo assassinara um soldado Flecha, que se tinha negado a cumprir uma ordem sua.
Comentava-se que não fazia prisioneiros e nutria um ódio mortal pelos seus antigos camaradas. As autoridades Portuguesas temendo que poderia liquidar o alto quadro que agora iríamos aprisionar, decidira integrar nesta operação o Inspetor da PIDE/DGS que era seu superior hierárquico.
(Continua)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA VI

(Continuação)
A avioneta DO 27 armada com lança granadas foguetes sob as asas aproximava-se velozmente, enquanto eu através do rádio AV P1 conhecido entre nós por Banana, tentava a todo o custo entrar em contacto com o piloto. Tarefa ingrata e muitas vezes impossível devido à fraca potencia deste pequeno rádio, agravado pelo facto de nem sempre os aviões terem o rádio de bordo sintonizado na frequência comum ao exército, neste caso o canal II.
- Pássaro. Pássaro. Aqui cobra, escuto.
Gritava eu para o rádio, mas em resposta apenas ouvia um ruído enervante parecido com o fritar de batatas.
Quando já todos desesperavamos e, com a avioneta praticamente na nossa vertical, por fim o piloto ouve-me e responde
- Cobra. Aqui pássaro. Info se necessitam apoio, escuto.
- Negativo. Agradeço afastamento, rápido. Terminado.
A DO27 retomou de imediato a sua rota, mas no entanto já tinha efetuado um circulo sobre nós. Com todas estas manobras provavelmente o inimigo já nos tinha referenciado e o efeito surpresa sido quebrado.
Para evitar possíveis emboscadas ou minas armadilhadas, uma vez que presumivelmente estávamos detectados, Palacassa decidiu deixarmos o trilho e seguirmos abrindo caminho à catanada através de uma mata próxima. Era um trajecto difícil e extenuante mas muito menos perigoso.
Ao por do sol saímos dessa terrível mata e iniciamos a subida de um pequeno morro apenas coberto de capim rasteiro, chegados ao cume os Flechas dispuseram-se num círculo de segurança e preparamo-nos para pernoitar. No entanto e como acontece nestas latitudes rápidamente escureceu, então Palacassa ordenou que voltássemos a descer o morro e que subíssemos a um outro próximo.
O curto trajecto foi percorrido muito lentamente, o céu estava limpo e muito estrelado, mas a lua ainda não tinha nascido e a escuridão era total, para não nos perdermos seguíamos agarrados ao lenço preso no cinturão do camarada da frente.
Chegados ao cume deste morro, de novo os Flechas se dispuseram em círculo. Dentro dele apenas permaneci eu, o inspector e o comandante Palacassa.
Esta era a minha primeira noite em que dormiria na temida selva Angolana. Resolvi enrolar-me na capa camuflada a que chamávamos ponche e deitei-me no chão, tendo o rádio por cabeceira e o céu como tecto. Nesta noite longa de céu limpo e carregado de estrelas, o medo, a apreensão e a incerteza começavam a tomar conta de mim e o meu pensamento vagueava para longe até à distante Metrópole e trazia-me à memória os meus amigos e familiares.
No ano anterior fora obrigado a ingressar no serviço militar obrigatório e, tinha deixado para traz toda uma vida. Agora recordava os meus colegas de trabalho e do Liceu. Muitos destes meus amigos também se encontravam combatendo nesta terrível guerra com três frentes, uns em Moçambique, outros na Guiné e os restantes como eu neste enorme país chamado Angola.
Mantinha correspondência com alguns deles e ia-me mantendo minimamente informado das agruras desta maldita guerra. Guerra que em surdina muitos de nós repudiávamos, assim como a politica colonial e fascista de Salazar e do seu sucessor Caetano. Agora aqui estava eu, um pacífico jovem de vinte anos armado em guerreiro.
Muitos perguntam agora passadas décadas porque não fugíamos para o estrangeiro. Não era nada fácil, apenas aqueles que lá tinham conhecimentos ou familiares se poderiam aventurar a tal façanha e, sujeitarem-se a só clandestinamente e correndo vários perigos, poderem regressar à Pátria a fim de visitarem familiares e amigos. A revolução de 25 de Abril de 1974 estava longe de ser imaginada e apenas depois dela, aqueles poucos que fugiram puderam regressar, agora como heróis.
(Continua)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA V

(continuação)
Rumamos durante varias horas na direcção do nascer do sol, percorrendo esburacadas e sinuosas picadas de terra.Cerca do meio-dia, com o brilhante sol Africano quase  a pique, saímos da picada principal e seguimos por um estreito caminho onde mal se distinguiam os rodados das viaturas levando a crer que era muito pouco frequentado.
Após mais de uma hora de caminhada por este atalho e com as viaturas sempre em andamento, saltamos para o chão e embrenhamo-nos rapidamente na densa selva, prosseguindo em fila Indiana.
Na frente desta fila e adiantado cerca de 100 metros seguia um elemento Flecha natural da zona, não ia fardado, mas sim vestido como qualquer nativo local, em lugar da arma levava um arco e flechas.
Caminhávamos em absoluto silêncio, evitando todos os ruídos por um trilho de pé posto muito pouco utilizado, quando ao chegar a um pequeno rio que teríamos que atravessar a vau, encontro à minha espera o inspector sentado num grosso tronco caído e a pintar a cara de preto, com pomada para os sapatos que ia retirando duma pequena lata redonda. Sentei-me junto dele, que me estendeu a mão.
- Pegue nesta lata – disse – pinte bem a cara de preto, pois nós os dois somos os únicos brancos a fazer parte deste grupo.
- Com alguma relutância esfreguei a pomada na cara e como não possuía qualquer espelho, no final perguntei-lhe.
- Que tal? O que acha?
- Formidável! Está transformado num autêntico Flecha.
Não respondi ao seu comentário satírico. Experimentava uma desagradável sensação de medo e sentia um incómodo calafrio que me percorria toda a zona da coluna. Será que iria aguentar esta jornada até ao fim? E quando começassem os tiros?
Após atravessarmos o rio, o inspector acelerou o passo e foi colocar-se no lugar que ocupava imediatamente atrás do comandante Palacassa, ou seja o terceiro da fila. Eu seguia sensivelmente a meio da coluna, lugar considerado o mais seguro. Como a mata que atravessávamos era bastante cerrada, seguíamos muito perto uns dos outros, talvez a uma distância de 2 ou 3 metros. Na minha pegada seguia um Flecha designado pelo comandante Palacassa como meu guarda-costas e com ordens expressas para olhar por mim, não me perdendo de vista qualquer que fosse o motivo. Era um rapaz alto e bastante magro de menos de 20 anos, talvez o mais novo do grupo.
A floresta até ali muito cerrada dava agora lugar a um campo de capim que nos chegava à cintura. Em surdina comuniquei ao meu guarda-costas o medo que sentia por levar o rádio às costas que me identificava como operador de transmissões e, assim oferecer um alvo apetecível para algum atirador furtivo. Muito amavelmente ofereceu-se para ser ele a transportar o rádio, carregando eu em troca com os sacos das rações de combate.
Decorrido algum tempo desta caminhada desaba sobre nós uma forte trovoada, acompanhada de estridentes e ruidosos trovões, parecia que o céu desabava sobre nós, contudo terminou tão rapidamente como começara. Fiquei encharcado até aos ossos, mas os Flechas continuavam impassíveis a sua marcha e eu tinha que os acompanhar. Então lembrei-me que já deveria ser novamente um homem branco, no meio destes destemidos soldados negros, o que me levou a sorrir para mim próprio.
De súbito sinto uma mão no ombro. Era o meu guarda-costas.
- Patrão. Vem avião.
- O que dizes?
- Avião atrás da gente. Olha!
Virei-me para trás, realmente começava a vislumbrar-se muito tenuemente no horizonte um pequeno ponto negro e já se começava a ouvir um ligeiro ruído muito longínquo.
Parecia vir na nossa direcção, voando paralelamente ao trilho, ou melhor na nossa vertical, a continuar nesta rota e ao avistar-nos tomaria-nos por turras e provavelmente seriamos bombardeados.
Os Flechas começavam a mostrar nervosismo e demonstravam intenção de correr a esconder-se numa mata próxima. O inspector juntamente com o comandante Palacassa prevendo que com essa atitude, maior desconfiança provocariam no piloto, ameaçavam-nos, obrigando-os a permanecer no seu lugar.
(continua)





terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA IV

(Continuação)
O inspector da DGS, tinha-me convidado para jantar em sua casa. Moamba de galinha e camarão frito com jindungo faziam parte da ementa, tudo isto regado com cervejas cucas.Éramos apenas três pessoas a partilharem esta refeição, eu o inspector e a sua esposa, que era uma bela rapariga. Alta de cabelos compridos negros com cerca de trinta anos, não se levantava da mesa enquanto comia, apenas dava ordens a uma empregada negra que se mantinha de pé atrás de si e que a um sinal seu se deslocava rapidamente até à cozinha onde se deveriam encontrar os cozinheiros e regressava com os respectivos pratos.
Na véspera apresentara-me no gabinete do Major de operações que com voz seca e autoritária me ordenara.
- Amanha cedo, pelas 5 horas da manha, apresentas-te no local habitual de partida das colunas, com os rádios Racal e AVP 1, uma bateria de reserva e ração de combate para 4 dias e, o mais importante - Acrescentou - Guardas rigoroso sigilo desta conversa e de tudo o resto. Alguma objecção?
- Não senhor meu Major respondi pouco à vontade.
Dando cumprimento às ordens do Major, a meio da tarde e debaixo de uma forte trovoada chegava ao Caxito. Apresentei-me completamente encharcado ao inspector chefe da Brigada da PIDE- DGS. Este homem de trinta e poucos anos, bastante moreno, sensivelmente da minha altura, mas bastante entroncado, usava um pequeno bigode quadrado a meio do queixo, tipo Hitler.
Contrastando com a sua aparência, era de uma amabilidade extrema para comigo, emprestou-me um dos seus camuflados enquanto mandava lavar e colocar a enxugar o meu. Dentro da sua larga roupa em que deveria parecer um palhaço, decidi inciar um passeio pela pequena povoação.
Aqui no Caxito encontrava-se instalada uma Brigada da DGS (Direcção Geral de Segurança) comandada pelo meu anfitrião, ex-oficial miliciano do nosso exército e que detinha sobre as suas ordens um grupo de 30 Flechas.
Os Flechas eram compostos na sua maioria por ex-guerrilheiros, aprisionados ou apresentados às tropas Portuguesas, integravam uma força paramilitar muito eficaz e bastante cruel que actuava exclusivamente às ordens da DGS que os recrutavam e treinavam. Viviam com os seus familiares num pequeno bairro de casas em adobe cobertas com chapas zincadas, construídas por eles próprios com a colaboração da própria DGS que lhes oferecia os materiais de construção, também tinham as suas lavras onde cultivavam mandioca, milho e outras culturas características da região.
Como muitos deles eram ex-guerrilheiros detinham uma larga experiencia da guerra de guerrilha e eram profundos conhecedores da selva. Costumava-se dizer que os Flechas se deslocavam na floresta como nós na cidade.
Normalmente efectuavam operações exclusivamente com elementos seus, sob as ordens directas da DGS, no entanto neste caso e por se tratar de uma operação especial tinha sido pedido a colaboração de um operador de transmissões e daí o meu envolvimento.
No pequeno briefing realizado já noite dentro, nas instalações da Brigada, encontravam-se presentes, alem de mim, o inspector, o comandante Flecha Palacassa e 20 soldados Flechas. Aí tomei conhecimento da missão: um nativo enviado pelo Soba de uma determinada Sanzala informava que um pequeno mas importante grupo inimigo em trânsito iria pernoitar na sua Sanzala daí a três noites, pelo que fora decidido efectuar um golpe de mão com o intuito de capturar de surpresa e vivos esses elementos. Após a captura, o principal elemento desse grupo, um alto quadro da FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) seria evacuado em Helicóptero que eu ficara encarregado de pedir através do rádio Racal tr28, enquanto os restantes feitos prisioneiros regressariam a pé juntamente connosco.
No final os Flechas foram armados com espingardas metralhadoras FN e, distribuídas a todos rações de combate. Ninguém mais saiu da instalações até cerca das 5 horas da manhã, altura em que tomamos lugar numa coluna militar escoltada por uma companhia do exército.
(Continua)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS de OUTRORA - III

(Continuação)
A viagem de regresso continuava a decorrer sem problemas devido em parte às enormes precauções que estavam a ser tomadas.
Os guerrilheiros espiavam todos os movimentos da tropa, escondidos na densa selva que nos rodeava e tinham observado a nossa viagem. Muito provavelmente como era hábito, iriam aproveitavar a viagem de regresso para nos atacarem emboscados, beneficiando da surpresa e da escuridão tenebrosa da noite
Ao aproximarmo-nos da curva da morte um local onde habitualmente montavam fatídicas emboscadas, todos os soldados saltaram das viaturas e prosseguiram a pé em fila indiana pelas duas bermas da picada
Repentinamente no silêncio da noite ouvem-se fortes rajadas de metralhadora vindas da frente da coluna.
Eu que seguia com o rádio às costas, atiro-me rapidamente para o chão, caindo numa enorme poça de água.
Numa impressionante tranquilidade o colega que seguia na minha pegada, baixa-se e grita-me.
- Levanta-te mike. Não tenhas medo, são os nossos a fazerem tiros de reconhecimento.
Levantei-me de um salto, ensopado em água e lama, assustado e envergonhado, contudo devido à escuridão os restantes camaradas não se aperceberam do meu estado.
Ultrapassada esta tenebrosa curva, subimos de novo para as viaturas e, então reparo num soldado que se encontrava deitado numa maca em cima de uma berliet, ardendo em febre e delirando acometido pelo paludismo. Então tirei o grande lenço que usávamos ao pescoço para nos proteger das nuvens de pó levantadas pelas viaturas, ensopei-o em água do cantil e passei-lhe pela testa. Quando deu acordo de si agradeceu-me dizendo que era conhecido por Azeiteiro e que tal como eu viera em rendição individual, tendo chegado há cerca de dois meses a este fim do mundo.
Continuei junto dele durante o resto da caminhada, repartindo consigo a água do meu cantil e oferecendo-me para ajudar no transporte da maca até à pequena enfermaria da base, onde o entregamos ao enfermeiro de serviço.
Na tarde do dia seguinte à nossa chegada a Nambu, fui visitá-lo à enfermaria para lhe levar um pouco de conforto e perguntar se necessitava de algum préstimo.
Tive dificuldade em reconhecê-lo, barbeado e sentado na cama a ler uma fotonovela. De imediato me começou a contar a sua história de vida. Os pais – ele estivador, ela mulher-a-dias – separaram-se era ele pequeno. Foi então viver com a avó, com quem acabaria por ser criado. Assim que terminou a 4ª classe começou a trabalhar numa mercearia na Ribeira do Porto. A partir desse primeiro emprego passou por vários, onde permanecia por pouco tempo. Ultimamente era porteiro de uma boite na Foz e dedicava-se a explorar prostitutas, daí a ser alcunhado entre os soldados que conheciam o seu passado por Azeiteiro, nome dado em calão aos chulos e proxenetas. Para confirmar o que me contava, puxou de uma pequena caixa de madeira que guardava debaixo da cama com dezenas de cartas e aerogramas recebidas da Metrópole.
Mostrou-me várias cartas de pelo menos três raparigas diferentes, afirmando.
- Estás a ver Mike. Geralmente vêm acompanhadas de uma nota de cem ou até de quinhentos escudos. Apenas a Ofélia não me envia dinheiro. Coitada!
- Coitada! Porquê? Perguntei intrigado.
- Presentemente encontra-se presa em Tires. Foi acusada de prostituição e de ter agredido com uma garrafa um cliente que por azar era polícia. Fugiu de Custóias, voltou a ser detida e apanhou dois anos de cadeia. Tantos como eu de Angola – e continuou – quando chegar á Metrópole caso-me com ela, que é a sua maior ambição.
(Continua)

sábado, 18 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS DE OUTRORA - II

(Continuação)
Logo após a descarga do correio e de outros bens de primeira necessidade, já com o sol a esconder-se por detrás da linha de horizonte e o céu a matizar-se de belos tons de vermelho e dourado, demos inicio á arriscada viagem de regresso a Nambu.Este trajecto já de si repleto de vários perigos, adivinhava-se ainda mais medonho devido à perigosa e sempre incerta noite.
Para relatar esta tremenda caminhada socorro-me do belo poema do conhecido poeta e deputado Manuel Alegre.

As luzes de Nambuangongo


Brilham as luzes de Nambuangongo

que de longe parecem perto e perto

parecem longe porque são assim as luzes

nos olhos dos soldados quando à noite

vão de Quipedro a Nambuangongo



Não vás pensar que são as luzes da tua aldeia.

Não há lugar em Nambuangongo

para a ternura da tua aldeia.

Brilham na noite camarada são enganos

não vás pensar que são as luzes da tua aldeia.



Amigo escuta se acontecer

teres saudades fecha os teus olhos

não queiras ver as luzes que são longe e perto

e perto e longe não queiras ver

amigo as luzes de Nambuangongo.



Eu sei que custa. Dentro de ti

há outras luzes que são luzes de Nambuangongo.

E a bala espreita eu sei que custa

posso ser eu podes ser tu

entre Quipedro e Nambuangongo.



E há outras luzes noutros caminhos de outras aldeias.

Essas porém não são as luzes que nos esperam.

E não verás rostos amados. E não terás

um fogo ardendo para ti que vens de longe.

Ninguém lá onde brilham as luzes para ninguém.



Brilham na noite camarada e são enganos

ai são enganos essas luzes perto e longe.

Dentro de ti uma candeia. E não verás

rostos amados. Fecha os teus olhos camarada

são só as luzes de Nambuangongo.



Morrer podemos. Mas não chorar. Lágrimas?

Só essas lágrimas que ao longe brilham

lágrimas luzes de Nambuangongo. Choram por nós

brilham por nós mas são enganos camarada

não são as luzes da tua aldeia.


(Continua)....

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS de OUTRÓRA

Capítulo I
Vou recuar no tempo. A um tempo longínquo e cruel de há muitos, muitos anos quando cheguei a Angola e a Nambuangongo, quartel militar situado no norte desse país a cerca de 180 km de Luanda.Aí chegado tive um pesadelo, ou melhor uma alucinação muito contundente e, é essa amarga alucinação que vou passar á escrita como obra de ficção. Portanto factos, pessoas e mesmo situações narradas não existiram nem sequer aconteceram, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
 Nambuangongo era uma fortaleza militar em pé de guerra, espraiava-se por dois grandes morros com tropa de varias especialidades. Eu fora integrado como soldado de transmissões numa companhia operacional com o nome de guerra “ Os Carolas “. As operações que decorriam na selva eram da nossa responsabilidade.
Como acontecia na maioria das inúmeras bases do exército Português espalhadas pela imensidão da selva Angolana, os soldados encontravam-se instalados em barracas de madeira cobertas por chapas de ferro zincadas, onde suportavam o intenso calor Africano e, aí vegetavam em situação degradante completamente isolados da civilização e dos seus meios de conforto.
Dentro da grande cerca de arame farpado, alem do bar dos soldados também existiam duas cantinas civis onde estes afogavam em cerveja as suas mágoas e as suas angústias.
Junto a esta base encontrava-se instalada uma Sanzala habitada por ex-guerrilheiros e seus familiares, que se entregavam ou eram capturados pelas nossas tropas. Estes antigos guerrilheiros depois de treinados e preparados constituíam um corpo de milícias muito eficazes e bastante cruéis designados por G E (Grupos Especiais) que alem de garantirem a segurança da Sanzala, também executavam operações militares, sós ou juntamente com as nossas tropas de quem dependiam militarmente, como eram profundos conhecedores do terreno e do inimigo também nos serviam de guias nas arriscadas operações que desencadeávamos pelo interior da densa e quase impenetrável selva.
Cheguei em rendição individual, isto é só, afim de substituir um camarada morto em combate, por esta altura já os meus futuros camaradas tinham cumprido um ano de guerra nesta inóspita e perigosa região dos Dembos.
Viria a ficar conhecido por Mike, apelido carinhoso de maçarico (novato) e logo no dia imediato á minha chegada saí em coluna militar.
Como novato que era e sem pratica alguma destas coisas da guerra, junto de mim sentado no banco corrido em ripas de madeira do hunimog, seguia o meu colega de transmissões o Pedreiras que logo me avisou.
- Se tivermos que saltar do hunimog, em caso de emboscada não te esqueças de arrastar contigo o rádio. Debaixo de fogo é muito complicado subir de novo à viatura para o recuperar e, ele é o único elo de comunicação com a sede.
Íamos fortemente armados, alem das armas individuais G3, também levavamos granadas, bazucas, morteiros, diagramas e metralhadoras pesadas montadas em tripés com escudos metálicos de protecção presos ás caixas de carga das viaturas
O medo e a tensão faziam com que por detrás de cada árvore imaginasse um inimigo, apetecia-me puxar o dedo suado que levava colado ao gatilho da G3 e disparar para a picada e para as grossas arvores que a cercavam
Dirigíamo-nos para uma base provisória, formada por um circulo de tendas de campanha no cimo de um morro situado ao lado da picada, era aqui que ao final do dia eram recolhidas as máquinas da Engenharia Militar que procediam ao arranjo da picada que saía de Nambu em direcção a Quipedro.
À minha chegada os soldados que faziam a protecção da base rodearam-me curiosos para saberem novidades da Metrópole, todos eles viviam em situação precária e isolados da civilização há mais de um ano. Aqui os soldados pareciam zombes a vaguearem para um lado e para o outro, andavam vestidos cada um de sua maneira, todos em tronco nu, alguns de calções, outros com calças camufladas muito coçadas e com grandes rasgos que tentavam colar com largas tiras de adesivo daquele utilizado nos primeiros socorros. As grandes barbas e cabelos desalinhados ajudavam a compor esta visão surrealista.
(CONTINUA)... 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Capítulo XXVII

ÚLTIMO AEROGRAMA ESCRITO PELO FARSOLA À SUA AMADA.
Querida estou muito feliz, acabei de ser chamado junto do capitão, para me comunicar que finalmente chegou a mensagem a ordenar o meu regresso à Metrópole.
Partirei amanhã cedo numa escolta militar para São Salvador e daí embarcarei rumo a Luanda no avião de carga Nordatlas, aproveitando o vôo de regresso desse avião que duas vezes por semana transporta alimentos frescos desde Luanda.
Espero que da próxima vêz que te escreva já seja de Luanda a comunicar-te a data da minha chegada a Lisboa.
O regresso será realizado a bordo de um dos dois Boeing 707 ao serviço do exército e adquiridos em 2ª mão à TAP, segundo me dizem efectuam a viagem em cerca de 9 horas. Nada comparado aos longos dez dias que demorei a cá chegar a bordo do paquete Vera Cruz.
Estive há pouco, oxalá que pela última vez, a admirar um pôr-do-sol maravilhoso com as tonalidades de vermelho e de dourado a esconderem-se por detrás da imensa e enigmática floresta virgem. Só aqui perdidos na imensidão remota da selva Africana se consegue contemplar semelhante beleza.
Em boa hora deixo para traz este buraco no cu de Judas, aqui passa o tempo que não passa, sinto-me perdido no meio da escuridão e do perigo iminente, as noites são arrepios de medo. Como anteriormente te contei das diversas bases das nossas tropas que eu conheci ao longo destes dois anos, esta é das poucas em que comemos com a arma G3 na mão, ou como o meu camarada Mike costuma dizer, comemos com um olho na marmita e outro no arame farpado.
O inimigo está cada vez mais atrevido, obriga-nos a dormir vestidos e calçados nos abrigos lamacentos disparando tiros isolados durante as temíveis e intermináveis noites, o que faz com que vivamos num elevado estado de alerta.
Em menos de uma semana sofremos dois grandes ataques, no último o inimigo avançou sobre nós com um enorme poder bélico e elevado numero de efectivos, que segundo as informações militares seria composto por cerca de 250 homens comandados pelo temido Pedro Afamado, a sua intenção era tomarem de assalto a nossa posição e manterem o estatuto de ocupantes, o que para a FNLA seria um valioso trunfo a exibir nas negociações com o governo provisório de Lisboa, que três meses passados sobre o 25 de Abril continua indeciso sobre o futuro de Angola.
Ontem estive a ouvir a emissora dos guerrilheiros, a Maria Turra como é conhecida entre os soldados, a locutora afirmava que os valorosos combatentes nacionalistas tinham desferido um violento ataque ao posto do Luvo, no qual alem de infligirem vários mortos á tropa colonialista, também destruíram todas as instalações e apoderaram-se de armas, rádios e outros materiais.
É a guerra de contra informação recheada de mentiras, nós felizmente e ao contrário daquilo que a Maria Turra declarava apenas sofremos alguns feridos ligeiros, o inimigo pelo contrário abandonou na fuga 5 mortos e diverso material de guerra e de enfermagem.
Manuel Aldeias 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Capítulo XXVI

AEROGRAMA ESCRITO PELO FARSOLA À SUA QUERIDA AURORA
Querida espero que ao receberes este meu aerograma te encontres de boa saúde que eu felizmente estou bem.Aqui onde agora me encontro neste buraco infecto chamado Luvo, junto á linha de fronteira norte com o Congo, é um local remoto e bastante isolado, não existem quaisquer populações civis, todos se refugiaram no outro lado da fronteira quando a guerra rebentou em 1961, para onde quer que estendamos a vista só se vislumbra capim muito alto ou florestas virgens cerradas.
Aqui no cu do mundo até a tropa é reduzida, apenas somos dois grupos de combate totalizando cerca de 50 soldados. Como na maioria dos inúmeros aquartelamentos do exército Português espalhados pela imensidão do sertão Angolano vivemos em condições miseráveis, instalados em barracas de madeira, cobertas com chapas de ferro zincadas, onde somos obrigados a suportar o intenso calor Angolano. A água é recolhida num ribeiro próximo, afluente do rio Luvo e transportada num depósito puxado por um veículo hunimog, os guerrilheiros por vezes esperam-nos emboscados junto do local de recolha do precioso líquido e por conseguinte não podemos descurar a segurança, temos que nos deslocar sempre atentos e fortemente armados.
Só durante a noite temos energia eléctrica produzida por um monótono gerador, este tem como principal finalidade iluminar a periferia da pequena base, facilitando o trabalho das sentinelas que nos garantem a segurança durante as intermináveis e perigosas noites.
Em toda a volta deste pequeno quadrado com perto de 100 metros de lado, existe uma cerca de arame farpado e um vala funda, onde nos refugiamos durante os ataques inimigos, também não dispomos de fogões a gás ou eléctricos, para cozinharmos os alimentos socorremo-nos da muita lenha existente nas densas florestas que nos cercam.
Ao menos quando da minha estadia em Nambuangongo alem de haver muita tropa, também era rara a semana em que não fossemos visitados por alguma coluna militar de passagem por aquele estratégico local. Dali partia uma picada que seguia para norte até Quipedro e que passava por Quixico e pelo pequeno destacamento que protegia a ponte sobre o rio Lué e, também uma outra que partia na direcção do por do sol até Zala e, que passava pela Madureira e pelas temíveis e de má memoria curvas do bico de pato e da camioneta vermelha.
Tal como aqui, também Nambuangongo era cercado pela cerrada selva, tínhamos por vizinhos a perigosa e densa floresta virgem do Canacassala, a tal onde o MPLA tinha instalado o Quartel General da sua 1ª Região Militar, sempre que nos deslocávamos para aquelas bandas éramos corridos a tiro.
Recordo-me daquela vez em que as altas chefias militares em Luanda, decidiram que a picada chamada via-lactea e que atravessava aquela terrível e perigosa mata, deveria ser limpa do denso matagal que a havia invadido para poderem mais facilmente chegar perto do coração inimigo, no entanto e apesar do grande numero de tropas envolvidas na segurança das máquinas de engenharia da Junta Autónoma das Estradas de Angola, o inimigo só nos permitiu chegar ate junto da ponte sobre o rio Onzo.
Fernando Farinha repórter da revista semanal Noticia que é publicada aos sábados em Luanda, acompanhou-nos para fazer a reportagem daquilo que as autoridades militares Portuguesas propagandeavam insistentemente, que os guerrilheiros não controlavam nenhuma parte do território Angolano e que as nossas tropas se deslocavam por todo o imenso território. Era uma pura mentira.
Olha, aquele meu camarada, o transmissões, a quem nós chamamos Mike, não sei se irá aguentar os dois anos de comissão, está muito magro, pesa menos de 45 KG e o rádio que transporta ás costas é muito pesado com cerca de 14 KG.
Tenho muita pena dele e por vezes nas operações apeadas ajudo-o a transportar o rádio. Quando estávamos na Força de Intervenção e nos deslocávamos para o mato, o exército contratava dois trabalhadores Bailundos, um para o ajudar a transportar o rádio e outro para ajudar o enfermeiro no transporte da bolsa de enfermagem. Agora aqui como não existem populações civis isso é impossível, está bem que aqui nas operações apeadas não se anda tanto a pé, no entanto esporádicamente aparecem algumas bastante extensas, em que temos que palmilhar dezenas e dezenas de quilómetros pelas cerradas e quase impenetráveis florestas virgens. Nessas operações algumas delas com a duração de 4 e 5 dias, temos que transportar além da arma G3 e de 4 carregadores à cinta, um saco ás costas com as rações de combate e a água para todos esses dias, eu por vezes ainda coloco no saco uma caixa de balas como reserva, não vá o diabo tecê-las.
Manuel Aldeias 

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Capítulo XXV

A mina anti-carro
Caminhávamos há longo tempo pela estreita e sinuosa picada de terra batida que por vezes atravessava zonas de alto capim que nos roçava as mãos e a cara, outras passávamos por florestas completamente cerradas e quase impenetráveis em que a estreita picada parecia uma linha de comboio a entrar num apertado túnel.

As viaturas circulavam vagarosamente com a velocidade permitida pelos pachorrentos burros do mato, mantendo entre si uma distância de segurança com cerca de 50 metros.
Esta região fronteiriça do norte de Angola, era utilizada pelos guerrilheiros da FNLA, o movimento independentista chefiado
por Holden Roberto, principalmente como local de passagem vindos das suas bases do lado de lá da fronteira em território Zairense e, não era considerada uma zona de guerra de tão alta intensidade como Nambuangongo com a sua terrível e perigosa floresta dos Dembos. No entanto a situação militar ultimamente estava a alterar-se, agravando-se drasticamente no período a seguir á revolução de 25 de Abril de 1974, com violentos ataques aos aquartelamentos de fronteira. Por vezes os guerrilheiros também infligiam duras emboscadas ás nossas tropas, ou colocavam minas escondidas nos itinerários por elas frequentados.
A meio da manhã com o brilhante e intenso sol Africano quase a pique, a coluna parou num local ermo de cerrado e alto capim a roçar os canos das espingardas, não deixando ver nada para lá da ondulante cortina verdejante, a não ser a apertada picada por onde circulavam os pachorrentos burros do mato.
Com esta inesperada e repentina paragem ficamos a poucos metros da viatura que nos precedia e, adivinhando a nossa curiosidade um soldado gritou-nos.
- Parece que encontraram rastos frescos na picada.
O Farsola ao ouvir esta notícia alvitrou.
- Não querem lá ver, que estão a preparar-nos alguma emboscada, ou alguma mina – e adiantou – ou provavelmente as duas coisas em simultâneo.
A coluna avançava agora ainda com mais lentidão e o Farsola de vez em quando lançava o olhar por cima da cabina da viatura, na esperança vã de ver surgir o nosso local de destino. Agora que tinham detectado pegadas recentes na picada receava que estivéssemos prestes a enfrentar a morte, os rebentamentos e os tiros, então desejava que rápidamente tudo isso tivesse um desfecho.
Racionava friamente, se fossemos atacados agora que o sol ainda ia alto, até tínhamos hipóteses de os feridos serem evacuados pelos helicópteros que só voavam durante o dia, o pior seria se o provável ataque só surgisse perto da noite, aí teríamos que carregar com os mortos e os feridos, ou esperar pelo romper do dia seguinte.
Ao descrevermos uma apertada curva, que circundava um alto morro, o Farsola contava mais uma das suas muitas aventuras, em que mais uma vez conseguira fugir da polícia ao volante de um potente BMW roubado junto ao Casino Estoril. Repentinamente ouve-se uma enorme explosão e a viatura que seguia na nossa frente é projectada pelo ar acompanhada de uma enorme coluna de pó e de fumo.
Enquanto a nossa viatura abrandava, nós rapidamente saltamos para o chão temendo alguma daquelas terriveis e mortíferas emboscadas que por vezes se seguiam ao rebentamento destas traiçoeiras minas anti-carro.
Felizmente desta vez a explosão da mina foi um acto isolado e nós corremos para o local do impacto.
A viatura sinistrada encontrava-se reduzida a um monte de ferros retorcidos e os soldados que nela seguiam foram projectados para longe, encontrando-se espalhados pela ravina gemendo e soluçando.
Rapidamente alguns soldados subiram aos morros próximos afim de montarem a segurança, inviabilizando deste modo qualquer ataque que o inimigo pudesse desferir aproveitando-se da fragilidade da situação. Alguns dos feridos encontravam-se muito maltratados, apresentando várias fracturas, principalmente dos membros superiores e inferiores.
Eu rapidamente corri para junto do meu camarada de transmissões, auxiliando-o na montagem das antenas e na ligação via rádio com a sede. Alem dos vários feridos, todos nós nos encontrávamos muito abatidos psicologicamente.
Esta mina ao contrário do que seria de prever e, apesar de todas os veículos seguirem cuidadosamente pisando o rasto deixado pelo rodado da sua precessoura, só rebentaria á passagem daquela que seguia na nossa frente, neste caso a 3º viatura, isto deveu-se à armadilha estar munida com um sistema de trincos pré-programados.
Devido à falta de helicópteros para procederem à evacuação dos feridos, recebemos ordens via rádio para se montar segurança à viatura sinistrada, e procedermos à reorganização da coluna com vista ao seu regresso ao local de partida, onde os feridos seriam socorridos.
Entretanto de São Salvador partira ao nosso encontro uma outra coluna com uma equipa médica, que ao cair da noite se encontra connosco e de imediato iniciou a prestação dos primeiros socorros aos nossos camaradas feridos.
MANUEL ALDEIAS

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

CAPÍTULO XXIV

De volta à picada
Ainda era de noite, mas o céu já começava a ganhar a tonalidade de azul petróleo característica da manhã bastante quente que se avizinhava, quando a coluna se pôs em movimento.Esta coluna militar era composta por 6 viaturas sendo a da frente um possante camião de marca berliet, á qual tinham sido retiradas a protecção da cabina, as portas laterais e os taipais, em seu lugar tinham sido colocados vários sacos de areia com o intuito de amortecer o impacto provocado pela possível explosão de alguma mina anti-carro que se encontra-se escondida no piso térreo da picada e, onde seguiam apenas o motorista e o seu guarda costas sentado num saco de areia. Era o chamado rebenta-minas.
Seguiam-se 4 veículos todo – o – terreno de marca hunimog, conhecido entre os soldados por burros do mato devido à sua versatilidade, baixa velocidade e grande capacidade de deslocação em qualquer tipo de terreno, mesmo os mais íngremes.
Nestes veículos os soldados viajavam sentados costas com costas, num banco corrido, construído em ripas de madeira, com as armas apoiadas sobre os braços, com os canos virados para a picada, prontos a saltar em caso de ataque inimigo.
Afim de se protegerem da enorme nuvem de pó levantada pelas viaturas, os soldados usavam á volta do nariz e da bouca uns grandes lenços de pano e também uns enormes óculos tipo mergulhador para lhes protegerem os olhos.
A meio desta escolta militar fortemente armada, num camião carregado com caixas de cerveja, sacos de batatas e de arroz, seguíamos empoleirados alem de mim e do meu camarada Farsola, um outro soldado, alto forte e de grandes mãos calejadas que com a sua voz grossa e forte sotaque Alentejano nos disse chamar-se Baleizão. Tinha combatido o MPLA no leste de Angola na região de Gago Coutinho, até o seu batalhão terminar a comissão e regressar á Metrópole. Ele tal como nós viera em rendição individual e como tal ainda tinha pela frente alguns meses de guerra, o quartel-general em Luanda decidira que acabaria o seu tempo de comissão junto da fronteira norte, agora a combater contra a FNLA.
O Baleizão confirmou-nos tal como o Vitinha já nos tinha contado, que efectivamente o MPLA tinha derrubado um Heli-canhão e abatido o seu piloto, na mesma região em que uma determinada companhia de comandos, que não sabia precisar qual, tinha sofrido uma violenta emboscada e, afirmava que esta tivera lugar entre o Luso e Gago Coutinho, em plena estrada alcatroada, causando-lhes 5 mortos e um elevado numero de feridos graves.
Segundo contou era um local onde não seria de prever um ataque de tamanha envergadura, apesar da desvantagem tanto em numero, como por se encontrarem completamente desabrigados em plena estrada, os comandos reagiram com grande valentia e determinação, acabando por colocar em fuga o grupo inimigo muito antes da chegada do grupo de socorro.
Manuel Aldeias









sábado, 6 de novembro de 2010

Capítulo XXIII

 NOVA ETAPA SE AVIZINHA
O meu camarada de odisseia, o Farsola, continuava internado na pequena enfermaria do quartel, já não sofria das altas febres e intenso mau estar que caracterizam o paludismo, mas no entanto ainda se encontrava bastante débil.
Da primeira vez que fora atacado por essa doença em Nambuangongo, a crise fora tão
severa que o nosso médico se vira obrigado a mandá-lo evacuar para o Hospital Militar de Luanda, aproveitando o regresso da pequena avioneta militar DO 27 que duas vezes por semana nos visitava, transportando alguns alimentos frescos e o sempre ambicionado correio.
Eu ocupava muito do meu tempo junto dele, confortando-o e animando-o. No entanto além de doente o meu camarada estava bastante ansioso por chegar ao nosso local de destino.
Irritava-se comigo, barafustando.
- Mike! Vai ao centro da cidade para saberes se aparece alguma coluna do Luvo – e adiantava com voz rouca e débil – Já deve ter chegado a ordem para eu regressar á Metrópole.
De facto a sua comissão de dois anos terminava no final daquele mês, mas ainda era muito cedo para regressar. Geralmente todos os soldados ficavam sempre mais dois ou três meses, era o chamado mata-bicho.
No entanto eu compreendia perfeitamente a sua ansiedade. Eu pelo contrario ainda tinha pela frente vários meses de guerra e convinha-me prolongar ao máximo a minha estadia naquele local, longe da vida de toupeira nos abrigos do Luvo e, das perigosas e desgastantes emboscadas junto da linha de fronteira.
Conhecedor da minha situação diametralmente oposta à sua, revoltava-se muito comigo e ameaçava furioso de mãos em riste.
- Se tenho conhecimento da vinda de alguma coluna e tu não me avisas, rebento-te os cornos com a arma G3.
- Acalma-te pá – respondia-lhe eu – Não estás em condições de viajar 80 km por aquela picada esburacada, sentado no banco de ripas de madeira de uma viatura hunimog.
O meu amigo encontrava-se tão ansioso e desorientado, que se lhe escondesse a verdade, não sei qual seria a sua reacção.
Numa das minhas deslocações ao centro da cidade, encontrei os soldados de uma coluna pertencente a uma companhia vizinha da nossa.
Depois de conversar com o comandante da coluna, decidimos que iríamos à boleia até um local conhecido como cruzamento do Lucossa. Uma vez aí chegados seriamos recolhidos por uma outra coluna procedente do Luvo que nos transportaria até ao nosso local de destino.
Em má hora tomei esta decisão pois esta seria uma viagem longa e bastante atribulada, durante a qual seriamos de novo atacados e, mais uma vez o sangue dos nossos camaradas correria por terras Angolanas.
Desta vez aconteceu o accionamento de uma mina anti-carro escondida no piso térreo da estrada, que destruiria completamente uma viatura e nos provocaria vários feridos, como relatarei no próximo capítulo.

Manuel Aldeias

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Capítulo XXII

O enorme saco das rações
O Farsola parecia ganhar novas forças nas pernas cansadas, sob o peso do enorme saco das rações que transportava ás costas e, da arma G3 que apertava nas mãos suadas e feridas pelo capim seco e áspero.
Ele e o seu grupo de combate, tinham deixado para traz uma mata virgem tão cerrada, que o caminho era aberto à força de catana empunhada pelo soldado da frente, o qual era rendido periodicamente.
Agora que entravam no espaço aberto, estavam a ser fustigados pelo abrasador sol Africano e, pior do que isso as balas voltavam de novo a assobiar por sobre as suas cabeças.
Deixava-o desesperado ouvir os irritantes tiros das temíveis costureirinhas que, com os seus cadenciados estampidos metálicos lhes faziam recordar a máquina de costura da sua mãe, na longínqua e saudosa Metrópole.
De um salto levantou-se da pequena cova em que se abrigara, limpou os olhos das gotas de suor pegajoso que lhes turvavam a visão, ajeitou à cinta as pesadas cartucheiras que transportava enfiadas no largo cinturão e, correu na pegada do seu camarada da frente e dos restantes soldados, que em fila indiana iniciavam a subida de um alto morro coberto de capim rasteiro, onde acabariam por ficar encurralados, perseguidos por um forte grupo de guerrilheiros. Valeram-lhes na altura os helicópteros Puma que, em desespero de causa e com imensas dificuldades os tinham conseguido resgatar.
Após ser evacuado e ao chegar à base avançada, o médico achara que o seu estado de saúde era tão débil que decidira mandar colocá-lo a soro.
Revia em pensamento toda aquela arriscada e terrivel situação passada alguns meses antes na Força de Intervenção e, maldizia a sua sorte por agora se encontrar deitado numa cama de hospital, a braços com uma grave crise de paludismo.
Afinal encontrava-se lutando na maldita guerra em Angola, tinha deixado para trás a vida boémia passada no Intendente e no Bairro Alto.
Aí sim! Esses eram os seus locais de caça, envolvendo-se em cenas de pancadaria com os outros chulos, pela posse e protecção das prostitutas mais rendosas. Ou ainda juntamente com o seu gang de Cascais, assaltando potentes automóveis com os quais disputavam renhidas corridas pela Marginal em direcção a Lisboa, acabando por vezes com aparatosos despistes na curva do Mónaco.
A despedida da sua Aurora não tinha sido fácil. A rapariga de apenas dezanove anos de idade, enfrentaria a partir daí a concorrência das demais prostitutas e, ficaria sujeita a ser roubada e maltratada pelos outros chulos.
- Quanto tempo a Aurora conseguirá resistir sem a protecção de um homem? -Perguntava-me ele várias vezes, e acrescentava – Passado todo este tempo provávelmente já terá arranjado algum gajo, que lhe dê carinho e a proteja na dura e espinhosa vida da prostituição –
Conhecedor de toda esta problemática o Farsola vivia atormentado pelo ciúme e, receoso de vir a perder a mesada que a Aurora lhe enviava periódicamente em valor declarado, ou simplesmente alguma nota de quinhentos escudos dissimulada no interior das longas e amorosas cartas, em que a rapariga lhe jurava amor eterno.
Manuel Aldeias




quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CAPÍTULO XXI

Os meninos da Sanzala
O boato de que um soldado vagueava pela Sanzala distribuindo latas de conserva, correu rápido por entre as pobres e famintas crianças e, em poucos minutos encontrava-me cercado por um enorme bando de meninos descalços e esfomeados, que se atropelavam uns aos outros na ânsia de serem presenteados com algo que lhes aliviasse um pouco a fome, ou apenas servisse de conduto para acompanhar a sempre presente fuba que os seus progenitores cultivavam, de modo incipiente nas suas pequenas lavras que amanhavam junto ás ultimas palhotas.

A fuba ou farinha de mandioca extraída a partir das raízes deste tubérculo está muito vulgarizada emAngola e, constitui o principal alimento destas pobres gentes.
Até ser transformada em farinha, a mandioca passa por um longo processo de transformação. Após serem colhidas as raízes são colocadas de molho em água, posteriormente secas ao sol e finalmente moídas com um pau num pilão de madeira, até serem transformadas numa farinha branca a que chamam fuba.
Naquela tarde maravilhosa em que o sol brilhava com intensidade num exuberante céu azul, saíra do quartel onde me encontrava a aguardar transporte para o Luvo, uma base das nossas tropas em cima da linha de fronteira. Vinha carregado com algumas latas de conserva surripiadas das rações de combate, que introduzira no saco verde da tropa e também nas grandes algibeiras do camuflado.
Cedo descobri que eram poucas as latas para tantos meninos famintos, no entanto sentia-me bem comigo próprio, por estar modestamente a contribuir para mitigar um pouco a fome destas pobres crianças.
Muitos desses meninos frequentavam a escola primária existente na Sanzala e, quase todos entendiam Português, no entanto eu também já compreendia muitas palavras de Kissolongo, o dialecto local, o que facilitava bastante o diálogo.
Ao fazer a habitual pergunta: O que queriam fazer quando fossem grandes? Um dos mais velhos, descalço e vestido apenas com uma velha e esfarrapada camisola adiantou-se para dizer um pouco envergonhado.
- Patrão. Eu quando for homem quero ser médico. Para poder curar o paludismo que já matou meu pai, minha mãe e meus dois irmãos.
Outro ainda muito novato e que me disseram ser um dos quinze filhos do feiticeiro e curandeiro local, gritou dizendo.
- Eu quero ser enfermeiro dos tropas, para dar injecções nos doentes.
Achei estranha aquela afirmação vinda de um filho do curandeiro. Pelos vistos não acreditava nas artes curativas do pai, ainda tentei indagar junto do mesmo a razão de tal atitude mas este fechou-se no seu mutismo não me respondendo.
Tanto anos passados sobre este episódio, ainda pergunto a mim mesmo muitas vezes.
Qual terá sido o futuro desses meninos? Aqueles que tanta esperança demonstravam, mas que pouco tempo depois destes factos se viram a braços com uma atroz guerra civil, que devastou o vasto território Angolano durante vários anos.
Os meninos daquele tempo distante serão agora homens com mais de 40 anos, no caso de serem vivos, o que não será muito provável num país em que a esperança de vida ronda os 42 anos.
Manuel Aldeias