quarta-feira, 14 de julho de 2010

Capítulo I-
Encontro-me presentemente a passar à escrita, a minha ida à consulta do Hospital Militar de Luanda, acompanhado do meu colega Farsola e, á medida que for escrevendo vou publicando no BLOG.
Assim sendo, aqui vai a primeira parte dessa odisseia, em que apenas alterei os nomes dos intervenientes.
 O meu amigo Farsola não escondia de ninguém o seu lamentável e  tumultuoso passado de larápio nas ruas de Cascais.

De altura mediana, gorducho, cabelo preto e liso já bastante ralo e com grandes entradas, era uma figura peculiar. Mais velho que todos nós cerca de 5 anos, tinha chegado à vida militar bastante tarde devido a ter cumprido pena de prisão.
Ele e o seu bando de delinquentes dedicavam-se ao arrombamento e roubo de bens deixados no interior dos automóveis – Nunca me faltava o dinheiro – gabava-se ele muitas vezes – Amachucávamos as notas em pequenas bolas antes de as colocarmos nos bolsos das calças.
O seu gang tinha sido desmantelado e condenado. Após o cumprimento da pena a que fora sujeito pelo tribunal, ingressara compulsivamente na tropa e enviado para Angola e para a pior zona de guerra – Nambuangongo. Tinha sido ali naqueles tempos difíceis dos ataques ao aquartelamento, das emboscadas mortíferas e das duras e espinhosas operações apeadas naquela intricada região dos Dembos, no Norte de Angola, que nos conhecemos e iniciamos a nossa amizade.
Apesar do seu passado pouco recomendável era um bom camarada, amigo do seu amigo, gingão, rebelde e desenrascado, em suma um bon vivan.
Com o regresso da nossa antiga companhia á Metrópole, e como a nós por termos ido em rendição individual, ainda nos faltar algum tempo para terminarmos a comissão, fomos enviados para junto da fronteira Norte.
O Farsola fora colocado na sede da companhia “ Os Felinos” em Mamarrosa, uma antiga roça de café no norte de Angola, e eu a 7 km dali numa pequena base em cima da linha de fronteira, chamada Luvo.
Numa tarde bastante quente e a ameaçar trovoada, desloquei-me em coluna militar á Mamarrosa. Á saída das viaturas sou abordado pelo Farsola que me diz.
- Mike, quero despedir-me de ti, pois vou passar uns dias a Luanda, mais precisamente ao Hospital Militar.
- Então estás doente? Perguntei preocupado.
- Achas? Simplesmente dei a volta ao Dr. Taborda.
De seguida contou-me pormenorizadamente como conseguiu enganar o nosso médico, fazendo-lhe crer que possivelmente teria uma úlcera no estômago, instigando-me a proceder de igual modo.
Não perdi tempo e, valendo-me das suas instruções rapidamente me dirigi ao Dr. Taborda. Este encontrava-se no seu improvisado gabinete em madeira coberto por chapas zincadas, junto do qual também funcionava a enfermaria.
Ao ver-me entrar, o medico que me conhecia perfeitamente, pois éramos muito poucos, perguntou-me:
- Então Mike! Entra! O que te trás por cá?
Depois de o cumprimentar, queixei-me dos sintomas que o Farsola me havia ensinado, na esperança de também eu ser enviado a Luanda. E não é que o nosso prestimoso e amável médico me prescreve exatamente o mesmo, que tinha prescrito ao Farsola duas semanas antes? Dizendo-me:
- Da ração de combate e do arroz com salsichas, que é o que todos nós comemos, não te posso livrar – e continuou – Mas vou dar indicações para te entregarem umas latas de leite condensado.
A primeira parte do plano estava a decorrer lindamente. De posse das latas de leite condensado encaminhei-me para a coluna, e segui de novo para o inferno do Luvo e para as noites mal dormidas no chão lamacento dos abrigos.
Escusado será dizer que como não sou apreciador de  leite, tratei logo de me desfazer das latas, oferecendo-as ao guloso do Mouraria que lhes chamou um figo.
Manuel Aldeias 


1 comentário:

JReis/Batalhao As de Espadas disse...

No ÁS de Espadas na Companhia do MUIÉ (Leste de Angola) Tinhamos dois MOURARIAS, um original que foi connosco desde Estremoz e um segundo que foi mais tarde por ter sido castigado.
Numa ida ao LUSO para consulta, ainda sem se conhecerem, então não é que em Cassamba, ponto de paragem nocturna da coluna Luso/Cangamba, um deles convenceu o outro que era médico, e como não havia camas para todos, o menos esperto ofereceu a cama para o " prezumivel sr.DR..." dormir um soninho descansado.!!! Enfim histórias de "Mourarias" que todas as Companhias tiveram certamente.