O enorme saco das rações
O Farsola parecia ganhar novas forças nas pernas cansadas, sob o peso do enorme saco das rações que transportava ás costas e, da arma G3 que apertava nas mãos suadas e feridas pelo capim seco e áspero.Ele e o seu grupo de combate, tinham deixado para traz uma mata virgem tão cerrada, que o caminho era aberto à força de catana empunhada pelo soldado da frente, o qual era rendido periodicamente.
Agora que entravam no espaço aberto, estavam a ser fustigados pelo abrasador sol Africano e, pior do que isso as balas voltavam de novo a assobiar por sobre as suas cabeças.
Deixava-o desesperado ouvir os irritantes tiros das temíveis costureirinhas que, com os seus cadenciados estampidos metálicos lhes faziam recordar a máquina de costura da sua mãe, na longínqua e saudosa Metrópole.
De um salto levantou-se da pequena cova em que se abrigara, limpou os olhos das gotas de suor pegajoso que lhes turvavam a visão, ajeitou à cinta as pesadas cartucheiras que transportava enfiadas no largo cinturão e, correu na pegada do seu camarada da frente e dos restantes soldados, que em fila indiana iniciavam a subida de um alto morro coberto de capim rasteiro, onde acabariam por ficar encurralados, perseguidos por um forte grupo de guerrilheiros. Valeram-lhes na altura os helicópteros Puma que, em desespero de causa e com imensas dificuldades os tinham conseguido resgatar.
Após ser evacuado e ao chegar à base avançada, o médico achara que o seu estado de saúde era tão débil que decidira mandar colocá-lo a soro.
Revia em pensamento toda aquela arriscada e terrivel situação passada alguns meses antes na Força de Intervenção e, maldizia a sua sorte por agora se encontrar deitado numa cama de hospital, a braços com uma grave crise de paludismo.
Afinal encontrava-se lutando na maldita guerra em Angola, tinha deixado para trás a vida boémia passada no Intendente e no Bairro Alto.
Aí sim! Esses eram os seus locais de caça, envolvendo-se em cenas de pancadaria com os outros chulos, pela posse e protecção das prostitutas mais rendosas. Ou ainda juntamente com o seu gang de Cascais, assaltando potentes automóveis com os quais disputavam renhidas corridas pela Marginal em direcção a Lisboa, acabando por vezes com aparatosos despistes na curva do Mónaco.
A despedida da sua Aurora não tinha sido fácil. A rapariga de apenas dezanove anos de idade, enfrentaria a partir daí a concorrência das demais prostitutas e, ficaria sujeita a ser roubada e maltratada pelos outros chulos.
- Quanto tempo a Aurora conseguirá resistir sem a protecção de um homem? -Perguntava-me ele várias vezes, e acrescentava – Passado todo este tempo provávelmente já terá arranjado algum gajo, que lhe dê carinho e a proteja na dura e espinhosa vida da prostituição –
Conhecedor de toda esta problemática o Farsola vivia atormentado pelo ciúme e, receoso de vir a perder a mesada que a Aurora lhe enviava periódicamente em valor declarado, ou simplesmente alguma nota de quinhentos escudos dissimulada no interior das longas e amorosas cartas, em que a rapariga lhe jurava amor eterno.
Manuel Aldeias