quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA V

(continuação)
Rumamos durante varias horas na direcção do nascer do sol, percorrendo esburacadas e sinuosas picadas de terra.Cerca do meio-dia, com o brilhante sol Africano quase  a pique, saímos da picada principal e seguimos por um estreito caminho onde mal se distinguiam os rodados das viaturas levando a crer que era muito pouco frequentado.
Após mais de uma hora de caminhada por este atalho e com as viaturas sempre em andamento, saltamos para o chão e embrenhamo-nos rapidamente na densa selva, prosseguindo em fila Indiana.
Na frente desta fila e adiantado cerca de 100 metros seguia um elemento Flecha natural da zona, não ia fardado, mas sim vestido como qualquer nativo local, em lugar da arma levava um arco e flechas.
Caminhávamos em absoluto silêncio, evitando todos os ruídos por um trilho de pé posto muito pouco utilizado, quando ao chegar a um pequeno rio que teríamos que atravessar a vau, encontro à minha espera o inspector sentado num grosso tronco caído e a pintar a cara de preto, com pomada para os sapatos que ia retirando duma pequena lata redonda. Sentei-me junto dele, que me estendeu a mão.
- Pegue nesta lata – disse – pinte bem a cara de preto, pois nós os dois somos os únicos brancos a fazer parte deste grupo.
- Com alguma relutância esfreguei a pomada na cara e como não possuía qualquer espelho, no final perguntei-lhe.
- Que tal? O que acha?
- Formidável! Está transformado num autêntico Flecha.
Não respondi ao seu comentário satírico. Experimentava uma desagradável sensação de medo e sentia um incómodo calafrio que me percorria toda a zona da coluna. Será que iria aguentar esta jornada até ao fim? E quando começassem os tiros?
Após atravessarmos o rio, o inspector acelerou o passo e foi colocar-se no lugar que ocupava imediatamente atrás do comandante Palacassa, ou seja o terceiro da fila. Eu seguia sensivelmente a meio da coluna, lugar considerado o mais seguro. Como a mata que atravessávamos era bastante cerrada, seguíamos muito perto uns dos outros, talvez a uma distância de 2 ou 3 metros. Na minha pegada seguia um Flecha designado pelo comandante Palacassa como meu guarda-costas e com ordens expressas para olhar por mim, não me perdendo de vista qualquer que fosse o motivo. Era um rapaz alto e bastante magro de menos de 20 anos, talvez o mais novo do grupo.
A floresta até ali muito cerrada dava agora lugar a um campo de capim que nos chegava à cintura. Em surdina comuniquei ao meu guarda-costas o medo que sentia por levar o rádio às costas que me identificava como operador de transmissões e, assim oferecer um alvo apetecível para algum atirador furtivo. Muito amavelmente ofereceu-se para ser ele a transportar o rádio, carregando eu em troca com os sacos das rações de combate.
Decorrido algum tempo desta caminhada desaba sobre nós uma forte trovoada, acompanhada de estridentes e ruidosos trovões, parecia que o céu desabava sobre nós, contudo terminou tão rapidamente como começara. Fiquei encharcado até aos ossos, mas os Flechas continuavam impassíveis a sua marcha e eu tinha que os acompanhar. Então lembrei-me que já deveria ser novamente um homem branco, no meio destes destemidos soldados negros, o que me levou a sorrir para mim próprio.
De súbito sinto uma mão no ombro. Era o meu guarda-costas.
- Patrão. Vem avião.
- O que dizes?
- Avião atrás da gente. Olha!
Virei-me para trás, realmente começava a vislumbrar-se muito tenuemente no horizonte um pequeno ponto negro e já se começava a ouvir um ligeiro ruído muito longínquo.
Parecia vir na nossa direcção, voando paralelamente ao trilho, ou melhor na nossa vertical, a continuar nesta rota e ao avistar-nos tomaria-nos por turras e provavelmente seriamos bombardeados.
Os Flechas começavam a mostrar nervosismo e demonstravam intenção de correr a esconder-se numa mata próxima. O inspector juntamente com o comandante Palacassa prevendo que com essa atitude, maior desconfiança provocariam no piloto, ameaçavam-nos, obrigando-os a permanecer no seu lugar.
(continua)





11 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

continuo a segui-lo na narrativa, com todo o interesse...

Carla Ceres disse...

Também continuo!

Edum@nes disse...

Eu pergunto, então o avião que se aproximava de vocês pertecia ao inimigo?
Se não pertencia, porque razão tinham de se escoder?
Para que serviam as comunicaçães?
Um abraço
Eduardo.

Anónimo disse...

Tambem nós quando nos deslocavamos, operações apeadas e aparecia algum avião, ficavamos com bastante medo de sermos tomados por turras. É que as comunicações trabalhavam sempre com muitas falhas.
E nós eramos na maioria soldados brancos.

Anónimo disse...

Olá, Manuel!
Situação apertada, esta...!
Branco disfarçado de negro, para enganar negro, e com medo de avião de branco...Imagino a ansiedade nestes momentos, antes da passagem do avião...! e cá fico à espera de saber o desfecho.

Um abraço.
Vitor

Regina Laura disse...

Manuel, sempre um momento de suspense acompanhar suas memórias.
Continuo seguindo e esperando pelas cenas dos próximos capítulos :)
Beijos

Maria Rodrigues disse...

Amigo as suas memórias são sempre bem descritas e de uma incrível clareza. Histórias de vida, experiências que marcam para sempre.
Aproveito para agradecer todas as mensagens que tão gentilmente deixa no meu cantinho.
Tenha um maravilhoso fim-de-semana
Beijinhos
Maria

Maria Rodrigues disse...

Amigo, voltei pois quero repartir consigo um miminho que recebi e que gostaria de lhe oferecer, pois representa o “Prémio da amizade”. Não tem regras nenhumas, tem apenas todo o meu carinho, amizade e o meu sincero obrigado por fazer parte da minha vida. Está no meu cantinho Especial “SELINHOS – Presentes dos AMIGOS” (http://maria-selinhos-presentesdosamigos.blogspot.com/)
Um maravilhoso Fim-de-semana
Beijinhos
Maria

jotaeme disse...

Boas noites camarada Manuel: Andando um pouco afastado das nossas actividades de Bloggers, hoje tive uma grata surpresa de assinalar a tua visita! E é com muito interesse que cá estou a ler e a relembrar outras "imagens" e relatos de uma terra que nunca mais esqueci, mesmo num contexto de guerra! Porque quer queiram, quer não, a nossa História por Angola passou e ainda se mantém, felizmente com outros contornos! Mas factos são factos e sabe muito bem reviver todas estas peripécias de Vida numa luta que tinha mais a ver com a intelectualidade e não por sermos uns os maus e outros os bons... Cá voltarei e quando quiseres vai lendo no meu espaço! Cumprimentos,
Jorge madureira

franciete disse...

E assim com muito interesse, e, muito carinho irei te lendo as histórias que jamais se apagaram dessa memória.
Beijinhos de luz e paz

Graça Pereira disse...

Meu Deus, matas-me do coração...
Na picada contigo, guardo com o coração a pique...o desfecho deste momento!
beijo
Graça