terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA IV

(Continuação)
O inspector da DGS, tinha-me convidado para jantar em sua casa. Moamba de galinha e camarão frito com jindungo faziam parte da ementa, tudo isto regado com cervejas cucas.Éramos apenas três pessoas a partilharem esta refeição, eu o inspector e a sua esposa, que era uma bela rapariga. Alta de cabelos compridos negros com cerca de trinta anos, não se levantava da mesa enquanto comia, apenas dava ordens a uma empregada negra que se mantinha de pé atrás de si e que a um sinal seu se deslocava rapidamente até à cozinha onde se deveriam encontrar os cozinheiros e regressava com os respectivos pratos.
Na véspera apresentara-me no gabinete do Major de operações que com voz seca e autoritária me ordenara.
- Amanha cedo, pelas 5 horas da manha, apresentas-te no local habitual de partida das colunas, com os rádios Racal e AVP 1, uma bateria de reserva e ração de combate para 4 dias e, o mais importante - Acrescentou - Guardas rigoroso sigilo desta conversa e de tudo o resto. Alguma objecção?
- Não senhor meu Major respondi pouco à vontade.
Dando cumprimento às ordens do Major, a meio da tarde e debaixo de uma forte trovoada chegava ao Caxito. Apresentei-me completamente encharcado ao inspector chefe da Brigada da PIDE- DGS. Este homem de trinta e poucos anos, bastante moreno, sensivelmente da minha altura, mas bastante entroncado, usava um pequeno bigode quadrado a meio do queixo, tipo Hitler.
Contrastando com a sua aparência, era de uma amabilidade extrema para comigo, emprestou-me um dos seus camuflados enquanto mandava lavar e colocar a enxugar o meu. Dentro da sua larga roupa em que deveria parecer um palhaço, decidi inciar um passeio pela pequena povoação.
Aqui no Caxito encontrava-se instalada uma Brigada da DGS (Direcção Geral de Segurança) comandada pelo meu anfitrião, ex-oficial miliciano do nosso exército e que detinha sobre as suas ordens um grupo de 30 Flechas.
Os Flechas eram compostos na sua maioria por ex-guerrilheiros, aprisionados ou apresentados às tropas Portuguesas, integravam uma força paramilitar muito eficaz e bastante cruel que actuava exclusivamente às ordens da DGS que os recrutavam e treinavam. Viviam com os seus familiares num pequeno bairro de casas em adobe cobertas com chapas zincadas, construídas por eles próprios com a colaboração da própria DGS que lhes oferecia os materiais de construção, também tinham as suas lavras onde cultivavam mandioca, milho e outras culturas características da região.
Como muitos deles eram ex-guerrilheiros detinham uma larga experiencia da guerra de guerrilha e eram profundos conhecedores da selva. Costumava-se dizer que os Flechas se deslocavam na floresta como nós na cidade.
Normalmente efectuavam operações exclusivamente com elementos seus, sob as ordens directas da DGS, no entanto neste caso e por se tratar de uma operação especial tinha sido pedido a colaboração de um operador de transmissões e daí o meu envolvimento.
No pequeno briefing realizado já noite dentro, nas instalações da Brigada, encontravam-se presentes, alem de mim, o inspector, o comandante Flecha Palacassa e 20 soldados Flechas. Aí tomei conhecimento da missão: um nativo enviado pelo Soba de uma determinada Sanzala informava que um pequeno mas importante grupo inimigo em trânsito iria pernoitar na sua Sanzala daí a três noites, pelo que fora decidido efectuar um golpe de mão com o intuito de capturar de surpresa e vivos esses elementos. Após a captura, o principal elemento desse grupo, um alto quadro da FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) seria evacuado em Helicóptero que eu ficara encarregado de pedir através do rádio Racal tr28, enquanto os restantes feitos prisioneiros regressariam a pé juntamente connosco.
No final os Flechas foram armados com espingardas metralhadoras FN e, distribuídas a todos rações de combate. Ninguém mais saiu da instalações até cerca das 5 horas da manhã, altura em que tomamos lugar numa coluna militar escoltada por uma companhia do exército.
(Continua)

19 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Curioso,
também tive um almoço assim,
com um PIDE/DGS.
Dar-lhe-ei o destaque que merece...

Continuo a seguir as suas memórias em terras próximas...

Abraço

Unknown disse...

Estou de volta e venho desejar um ano novo pleno de prosperidade ,paz e amor.

Abraço.

Edum@nes disse...

Hoje, reconhecemos que no passados cometeram-se erros. Mas isso era da responsabilidade dos políticos, que tinham uma visão errada do que se passava em África. E por muitos desses políticos, que teimavam em não recenhecerem o direito à sua independência, da qual os povos tinham esse direito.
Tanto teimaram que acabaram por entregar a uns prejudicando outros.
Acabaram por fazer uma grande borrada.
Estive sete anos em Angola, convivi com toda a sua população. Nada contra tenho a referir, só tenho a dizer bem.
Foi pena a independência, para além de tardia, não ter sido mais justa, para aqueles que lá nasceram, independentemente, da cor da pele. Como alguém disse, eu também digo "fui muito feliz em Angola".
Continuação de bom ano de 2011.
Um abraço
Eduardo.

Anónimo disse...

Manuel,


E continuo acompanhando sua saga,
... Bjo.

Ana Gaúcha _Professora disse...

´p/ vccccccccc MANUEL

Passadas as festividades
O Novo Ano se Apresenta
Com vitalidade
Vamos arregaçar mangas
Usando a Sensibilidade
que as cores tenham
Tons de Irmandade
Pois acredito
Na Fraternidade
e se pintar a adversidade,
busquemos mesmo assim
A sinceridade,
confiabilidade e afabilidade
Juntos de mãos dadas
Em quaLquer idade!!!

Ana piaia

BOMMMMMMMMMMMMMMMM
DIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!

bjs*Bjs

Carla Ceres disse...

Fui viajar, mas já voltei e continuo acompanhando a história. Feliz 2011!

Maria Rodrigues disse...

Amigo passei para desejar um excelente ano 2011, que seja um ano de realizações pessoais e profissionais, sonhos realizados, e alegrias constantes.
Beijinhos
Maria

Anónimo disse...

Olá, Manuel!

Em ambiente de guerra, nem sempre é fácil distinguir o lado certo do errado, o bem do mal. O caso dos soldados indígenas a combater do nosso lado, ou a odiada PIDE a defender-nos,na condição de "amiga" de ocasião, julgo que é disso um bom exemplo.
Bem, e cá fico à espera do que irá resultar nessa emboscada, e aqui voltarei - com muito gosto.

Um abraço amigo.
Vitor

Graça Pereira disse...

Mais um percurso de vida, difícil e cheio de "emboscadas" de todo o género ,sem faltar a D. Pide/DGS que nunca nos deixava à vontade...
Voltarei para continuar a ler-te!
Beijos
Graça

Janaina Cruz disse...

Considero o jantar como um ponto de paz em meio a turbulência de missões e incursões ...

Deve ter sido engraçado sair por aí com roupas maiores que você, poderia ter sido muito pior, as roupas poderiam ser menores, já imaginou? rs

Quando o principal elemento de um grupo é capturado o resto fica sem destino, como acontece com as abelhas que perdem sua rainha.

Mas o ser humano é surpreendente.

Aguardo a continuação meu amigo, e deixo-lhe um forte abraço

franciete disse...

Olá meu amigo tem aqui certos personagens que mexem um pouco com a minha pessoa que me deixaram algumas recordações menos boas.
Mas como se diz passado é passado e o futuro está na frente.
Beijinhos de luz e muita paz.

Arte e Vida disse...

Obrigado pela visita.
Bom fim de semana

Regina Laura disse...

Manuel, realmente esse jantar soou para mim como um pequeno momento de paz em meio a tantas agruras.
Mas preciso perguntar: o que é jindungo?
Incrível a clareza com que você nos narra suas memórias.
Dá para sentir o lugar, as experiências.
Continuarei acompanhando sempre. :)
Beijo grande
PS. Muito obrigada por sua presença sempre tão amiga lá no balanço

José disse...

Olá Manuel!
Um bom ano de dois mil e onze,irei passando por aqui, para ir sabendo mais coisas sobre a guerra, embora tenha por la andado também noutro lugar da África, mas guerras são sempre guerras em qualquer lugar do mundo.

abraço.

Tentativas Poemáticas disse...

Amigo Manuel
Foi muito bom recebê-lo no meu humilde blogue. Deixei de publicar histórias da guerra em virtude de ver censurado um conto pela Associação de Ex-Combatentes à qual pertenço, a pedido do Ministério da Defesa Nacional. Os meus leitores dividem-se entre aqueles que me incitam a escrever e os outros que entendem que o melhor é esquecer. Mas, esquecer como?
Porém, uma coisa é certa: há muita gente viva a quem as nossas histórias (reais) não interessam divulgar.
Também tenho um episódio com um Inspector da PIDE, em Cangamba, no leste, mas esse queria uma cunha para ficar a pertencer aos quadros de Angola, pois tinha lá muitos interesses. Disseram-lhe que eu era familiar do seu Director (pelo facto de ter o apelido de Silva Pais e pertencer à Cheret). Num dos meus contos relato a forma como me livrei dele (era um assassino).
Reparei que temos amigos em comum.
Parabéns pelo seu blogue e pela sua coragem.
Um abração.
António

franciete disse...

Obrigado meu amigo pelas lindas palavras e pelo carinho dedicado, beijinhos de luz e tudo de bom em sua vida.

Anónimo disse...

Manuel,

Passando pra te reler e
desejar uma Boa semana ...

manuel aldeias disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
manuel aldeias disse...

Para os mais novos, ou mesmo aqueles para quem algumas expressões pouco ou mesmo nada digam, devo esclarecer que PIDE, DGS ou mesmo PIDE/DGS, era a designação como era conhecida a antiga e odiada Policia Secreta Portuguesa que existiu até 25 de Abril de 1974, data da revolução dos cravos em Portugal.
Nesta data o governo colonialista de Caetano caiu e com ele esta policia, que foi desmantelada –
Durante o consulado de Salazar tinha a designação de PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado), após a morte deste, Caetano ocupou o seu lugar e, apenas lhe mudou o nome para DGS (Direção Geral de Segurança) – No entanto em Angola continuou até á independência, tendo apenas a sua designação mudado para PIM (Policia de Informação Militar)
Ainda outro esclarecimento: jindungo é o nome dado em Angola a umas pequeníssimas malaguetas, do tamanho de pequenos pinhões e dos quais se usava e abusava na confeção de vários pratos. Estes petiscos eram muito apreciados pelos jovens soldados que os faziam acompanhar das célebres cervejas, Cuca, Nocal, Eka e Sagres. As cervejas assim como os cigarros para uso da tropa eram vendidos a um preço bastante inferior ao praticado nos estabelecimentos civis.